Desenvolver, incluir, reconstruir: como os vales sociais ajudam a recuperar das crises
Inovação, inclusão social, desenvolvimento económico, política ambiental: estes são alguns dos destaques de um estudo da OCDE sobre o papel dos vales sociais. O documento, publicado em 2021, mostra ainda como este sistema ajudou os mais vulneráveis durante a crise da pandemia e como pode ser uma ferramenta cada vez mais versátil no futuro.
Vales sociais: mais diversos, mais eficazes
Desde que surgiram, há 70 anos, os vales sociais (como o título de subsídio de refeição) tornaram-se prática corrente em muitos países e evoluíram para diferentes formatos. Portugal, Brasil, Bélgica, França ou Marrocos estão entre os 40 países de todo o mundo com programas de vales sociais.
O estudo “Social Vouchers: Innovative Tools for Social Inclusion and Local Development”, da OCDE, olhou para alguns destes países e fez um retrato da forma como o impacto se tem feito sentir, tanto na melhoria das condições de vida dos trabalhadores como no crescimento económico.
Criados nos anos 50 para garantir a alimentação adequada dos trabalhadores no pós-guerra, os vales tiveram consequências positivas que ultrapassaram o objetivo inicial. O subsídio de refeição, tal como mostram os exemplos de vários programas em diferentes lugares do mundo, não só beneficia a saúde dos trabalhadores, como permite injetar dinheiro na economia local, criar emprego, reduzir a evasão fiscal e, assim, contribuir para o crescimento económico do país.
Hoje, há vários tipos de vales além do cartão-refeição. São atribuídos não só pelas empresas mas pelo próprio Estado. Adaptam-se ao contexto de cada país e aos desafios sociais e económicos do momento. Os programas de vales podem ter por objetivo a melhoria da alimentação, mas também o desenvolvimento local, criando emprego em vários setores e especialmente naqueles que passam por períodos de crise (como exemplo atual, o turismo, a cultura, o comércio de bairro). Os seus benefícios estendem-se aos trabalhadores, às empresas e às populações em geral.
Uma análise dos vales sociais utilizados pelos países em estudo mostra a diversidade de áreas em que estes têm sido aplicados com sucesso: a alimentação é a mais frequente (o subsídio de refeição, no caso português), mas há muitas outras. O estudo dá alguns exemplos: serviços de apoio à família (como acesso a creches e cuidados de idosos), cultura e lazer, alojamento turístico, ou até serviços alinhados com as políticas ambientais (por exemplo, ‘eco-vouchers’ para serviços de reparação de bicicletas, para incentivar o uso de transportes menos poluentes).
As vantagens dos títulos sobre o pagamento em dinheiro
O estudo da OCDE refere outras análises já feitas que mostram as vantagens de pagar em título em vez de atribuir o mesmo valor em dinheiro, tanto para os trabalhadores como para as empresas e para o Estado. Os títulos (sobretudo digitais, como os cartões) garantem que o vale é usado com o fim para que foi pensado, que é aplicado na rede de comerciantes aderentes (tipicamente, pequenas e médias empresas locais), e que não promove a economia paralela e a fuga aos impostos. Os dados comprovam que o uso de vales sociais injeta dinheiro na economia local e cria emprego formal, o que não é possível garantir com outras formas de pagamento destes benefícios sociais.
Para os trabalhadores, além de haver um aumento do poder de compra e acesso a mais serviços, há que salientar o facto de estes vales estarem isentos do pagamento de imposto. Cada país tem, a este respeito, as suas próprias regras, mas no geral as políticas fiscais beneficiam os vales devido ao impacto positivo que estes têm na sociedade e na economia.
O estudo analisa ainda a forma como a definição das regras e obrigações de todas as partes envolvidas no sistema é importante para que os programas de vales funcionem bem. Cada país tem regulamentos e órgãos de monitorização diferentes, ao nível nacional ou local, mas a clarificação e o controlo do sistema é fundamental para que este sirva os propósitos sociais para que foi criado.
Os vales e a crise da pandemia
O estudo dá exemplos de como alguns países usaram os vales sociais como solução rápida e eficaz para apoiar as populações e as empresas durante a pandemia, quando a atividade económica foi fortemente afetada e o desemprego aumentou.
Em vários países, os trabalhadores continuaram a receber títulos de refeição mesmo durante os períodos de confinamento. No Brasil e na Roménia, foram atribuídos vales de alimentação aos desempregados e a pessoas com trabalhos informais. Na Bélgica, o Governo criou vales para serviços de alojamento, cultura, comércio de retalho e desporto – tudo setores muito afetados pela perda de clientes. França fez o mesmo para a cultura. Ainda na Roménia, o programa de recuperação e resiliência (PRR 2021-2027) prevê um sistema de vales para serviços domésticos que pretende reduzir o trabalho informal e criar emprego.
O caminho da digitalização
A digitalização (com o uso de cartões em vez de títulos em papel, por exemplo) tem ajudado os programas de vales a crescerem, ao simplificar todo o processo e reduzir os custos administrativos e operacionais nos países que a adotaram.
Além disso, a solução tecnológica reduz o risco de fraude (exemplo: uso dos títulos por pessoas que não têm direito a eles, ou que os roubaram).
Para as pequenas empresas, este é também um impulso forte à digitalização, com todas as vantagens que isso tem em termos de eficiência e competitividade futura.
Por último, os sistemas digitais permitem saber mais sobre os padrões de consumo dos beneficiários, e assim compreender melhor o funcionamento de todo o circuito e melhorá-lo.
“Reconstruir melhor” com a ajuda dos vales
Os programas de vales sociais que surgiram durante a pandemia e os resultados positivos obtidos mostram que esta pode ser uma ferramenta útil no processo de “reconstruir melhor”, o “build back better” que dá o mote aos programas de recuperação pós-pandemia e à Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável da ONU. Quer-se que esta recuperação leve a sociedades mais resilientes, inclusivas e com menos impacto ambiental, a longo prazo.
A crise da Covid19 permitiu mostrar como os vales sociais podem ter um papel valioso na inclusão de pessoas e na proteção de setores de atividade vulneráveis, e ainda ajudar à criação de emprego e à recuperação das economias locais. O consumidor continua a ter liberdade de escolha, dentro da rede de empresas aderentes, mas o benefício é dirigido a grupos que precisam de apoio e dinamização. É importante, segundo a OCDE, que as autoridades analisem e avaliem o impacto destes programas, que podem ter um papel importante no bem-estar futuro.
Estudo:
OECD (2021), “Social Vouchers: Innovative Tools for Social Inclusion and Local Development”, OECD Local Economic and Employment Development (LEED) Papers, No. 2021/08, OECD Publishing, Paris.